06 setembro, 2009

Escritor da meia-noite (1)

Cenário: delegacia. Só isso bastaria, mas eu gosto de prolongar o sofrimento do leitor que odeia descrições. Perdoe-me (ou não, pouco me importa!), mas vamos aos detalhes.
Era uma pequena salinha preenchida até o teto. É fato que os processos, denúncias e boletins de ocorrência lotavam os nove arquivos encostados nas paredes brancas de concreto. Mas não seria exagero mencionar que o delegado, com seus 146 quilos, também ocupavam uma boa porcentagem do espaço disponível.
O delegado, ou melhor, o corpo do delegado escondia uma mesa de alumínio repleta de doces, salgadinhos e refrigerantes. As perninhas gordas do policial, por sua vez, escondiam-se atrás de uma mesa de plástico atolada em papéis, canetas (um dos vícios do delegado era colecioná-las) e um computador antigo e lerdo, que só fazia atrasar as investigações.
Além do obeso delegado, ocupava a sala o Prógenes, escrivão que redigia todas as conversas oficiais realizadas naquela salinha. Prógenes era a antítese do delegado: raquítico, o homem corria todas as manhãs; organizado, só trazia uma maleta para o trabalho com os documentos dispostos por data, relevância e ordem alfabética, nessa ordem; calmo, enquanto o pau quebrava , ele tomava seu café apreciando seu gosto amargo. O que mais importava em Prógenes, no entanto, é que ele era um escritor da meia-noite. Assim que terminava o expediente, o homem voltava para seu apartamento com todos os textos do dia. A partir daí, retirava os mais curiosos e brincava com eles, fazendo adaptações aqui e ali. O que veremos aqui são os melhores textos de Prógenes. Meu trabalho, portanto, foi apenas lê-los, separá-los e trancrevê-los. E como Prógenes já morreu, eu também arrecadarei os possíveis e eventuais lucros da narração. E não doarei nada para nenhuma instituição de caridade, pois não tenho a quem impressionar. E chega de papo!

Comecemos pela história preferida de Prógenes. para mais detalhes, continue a leitura.
-------------------FICHA CRIMINAL--------------------
Nome: Pedro Paulo Américo
Idade: 51 anos
Profissão: Engenheiro Agrônomo
Histórico: Sem passagens pela polícia até a presente data
Data: 27 de Junho de 1982
Acusação: Atentado ao pudor
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Anotações do Prógenes:
Entra o acusado. O delegado o observa com a cara de sempre, aquela que diz "você é culpado, não minta para mim!", enquanto come sa rosquinha da tarde. Eu preparo minhas mãos. O delegado convida o acusado a se sentar. O homem senta, tremendo. Começa o interrogatório.
Delegado - Então... Quer dizer que o senhor anda de sem-vergonhice por aí, mostrando o pinto pra quem quiser ver num banheiro de um restaurante?
Pedro Paulo Américo - Não é bem assim, doutor... É que eu...
D - Você foi denunciado por um garçom que o viu nu no banheiro. O senhor confirma?
PPA - Confirmo, mas...
D - E o senhor sabe que não pode ficar andando por aí pelado, não sabe?
PPA - Sei, mas...
D - Caso encerrado. Culpado!
PPA - Espera, doutor, deixa eu me explicar!
D - Tá bom, filho, éseu direito. Mas vê se vai rápido, porque hoje eu ainda tenho que resolver um
monte de problemas!
PPA - É que é meio constrangedor...
Anotações do Prógenes:
O homem sua, nervoso com a situação
D - Vamo, filho!
PPA - Tá bom, tá bom! Aconteceu o seguinte: eu tinha terminado a refeição no restaurante e senti que precisava ir ao banheiro. Sabe como é quando aperta, né doutor?
D - Sei bem...
PPA - Então... O probelma é que sempre que vou cagar...
D - Hei! Olha o respeito! Isso é uma delegacia!
PPA - Perdão, perdão! Enfim ,sempre que vou ao banheiro, tiro toda a roupa, senão não consigo...
Anotações do Prógenes:
O delegado fulminou o homem com os olhos. Ele entendeu e continuou da forma correta.
PPA - ... liberar.
D - Até aí, tudo bem. Quer dizer, tudo bem além dessa bizarrice de tirar a roupa para obrar.
PPA - Para o quê?
D - Manoel de Barros, filho, Manoel de Barros...
Anotações do Prógenes:
O delegado, ignorante e bárbaro como era, adorava se exibir após a leitura de alguma matéria interessante ou da resenha de algum livro que não lera.
D - Mas por que você andava nu pelo banheiro?
PPA - Eu tentava chegar nessa parte. Quando acabei todo o processo, percebi que não tinha papel higiênico ali, no cubículo da privada que eu estava sentado. Por isso abri a porta e saí, mas esqueci que estava pelado. Aí deu-se a merda...
D - Hei!
PPA - Desculpe...
Anotações do Prógenes:
Um conselho de amigo: antes de sentar na privada, sempre confira se há papel higiênico.
D - A história está bem contada, mas eu não sei o que posso fazer com você...
PPA - Não me prenda, por favor!
D - Não sei... De uma forma ou de outra, houve atentado ao pudor.
PPA - Por favor, eu prometo que vou mudar!
D - Como?
PPA - O que o senhor sugere?
Anotações do Prógenes:
Mal sabe a sorte que teve ao fazer essa pergunta. Segue a história, já me explico.
D - Primeiro que não vá mais a banheiros públicos. Para isso você deve cultivar ou construir o hábito de ir ao banheiro todas as manhãs, mesmo que tenha que tomar um remédio para isso. É saudável e seguro.
Anotações do Prógenes:
Explico-me: o delegado cultivava o sonho de ser médico. Um pedido de aconselhamento ou de exame eram sempre bem-vindos e tratados de forma superior, como se ele fosse um profissional. Pobre coitado...
PPA - Então o senhor vai me liberar?
D - Sabe, filho, acho que vou.
Anotações do Prógenes:
O homem, apesar de feliz, transpira rios e tensiona o pescoço e os ombros. Podia ser a situação desgastante, mas, se perguntassem minha opinião, eu diria que ele precisava cagar de novo e não sabia como tirar a roupa no banheiro da delegacia.
PPA - Obrigado, doutor!
D - Tudo bem, filho, mas vai logo!
CONTINUA...

2 comentários:

  1. Nossa xD
    Tudo bem, também sou uma escritora de torturar com descrições mais...
    acho que mais torturante é o fato de o humor negro da história realmente causar risadas.
    De qualquer forma... uma boa postagem

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  2. aoohhh vitaoooo
    te amo brother

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