26 julho, 2010

Mendigando

     Piazada! Dá licença. Não, não, pode ficar tranquilos, não tenho arma não, ó. Sou da paz, sou paz e amor, sou fortaleza (dois socos no peito e uma mão ao ar), piazada! Eu não queria incomodar vocês não, sabe? Não faria essas coisas normalmente, mas, tu nem sabe, tô numa pior... Sou lá de Camburiu, Santa Catarina, tu sabem? É... Lá eu tava bonito... Mas eu perdi tudo pra água, piazada, tudo, quase toda a minha família, perdi até minha mulher: uma prancha 618". Pah, tu devia ver, piazada, eu surfava bonito. Tá vendo essa sandália de couro que tô usando aqui, ó? Foi presente do Frei Antônio, um camarada meu. Já viram Frei surfando? Pois é, piazada, o Frei Antônio surfava comigo, e surfava bonito! Aliás, se um dia tu for pra lá, piazada, pode chegar lá na praia, que se eu tiver lá, te dou comida e um abrigo. Nois tem que se ajudá, né?
     Mas aí veio a água e eu perdi tudo. Fiquei só com meu filho, tá sabendo. O piá tem cabeça, é fortaleza (dois socos no peito e uma mão ao ar)! É só por causa dele que não me joguei embaixo de um caminhão até hoje. Minha vontade era essa. Posso sentar, piazada? (deixa o saquinho de trouxas que levava consigo no chão e depois se senta). Brigado. Pah, vou falar pra tu: vim pra cá a pé, pratecamente. Vim pra cá porque descobri que meus pais tão aqui. Não aqui, em outra cidade, mas tô tentando ir pra lá, tu sabe? O meu pai tá bonito, e se eu chegá nele, ele vai me resolver a vida! Mas já sofri muito, tu sabem, piazada, já me enganaron muito. A sorte que tive foi encontrar um padre no meio do caminho, ele me deu abrigo por uns dias, me serviu um leite quente que dói os dente.
     Eu não queria pedir assim, mas tô precisando da tua ajuda, piazada, preciso de 6,80. E se tu tiverem uma roupa que num use mais, pode ser qualquer coisa, sabe, uma camisa velha, um shorte de ir na praia, sabe, qualquer coisa mesmo! Que que tu acham? Claro, esse Rals também serve, vou até dar pro meu piá que ele é doido nisso. Mas e o dinheiro, piazada? Qualquer coisa mesmo...
     Sabe, um dia os esquim réds, os mortal réds, os borim réds, os moicanos, os hipes, todos esses grupos vão se unir contra o capitalismo... Mas eu nem vou descutir isso com tu, piazada, deixa prá lá...
     Dois reais? Tá ótimo, tá ótimo. Mais? Não tem pressa, eu te espero. Dez reais? Sabe, sabia que tinha que falar com tu, piazada, um dia a gente ainda vai se encontrar, sabia? Porque ó, o mundo é assim, ó (faz um sinal de prisão com os dedos), pequeneninho.
     Agora eu tenho que ir indo, tu sabem, piazada? Hoje passei lá no CEASA, peguei uns resto de comida, uns osso no supermercado e fiz um cozido que tá ó, hum, uma delícia! Só não tá melhor porque não tinha uma buchada. Mas tenho que ir. Montei um barraco numa praça aqui perto e tenho que cuidar dela, não é? Barraca bonita, tu sabem?
     Ah, meu nome é John. É só lembrar de John Travolta. Ou John Lennon. Daí tu lembram de mim. John. Velho John. É isso aí. Agora eu tenho que ir, porque (e foi-se)...


Para constar:
- John existe. John me contou essa história que agora publico pelo blog quando conversava na frente da casa de amigos meus. John conseguiu os 12 reais mencionados. Dois de uma amiga minha e dez de outra, mais caridosa e ingênua. Confesso que, se estivesse em casa, entregaria-lhe minhas chaves.
- Os erros de português são propositais. Revelam a concordância e o sotaque de John.
- Aposto que fomos enganados, mas tudo bem, a história foi boa e o Velho John é uma figuraça!!
- Se você gostou do post, mendigo, como o Velho John, por seu comentário...

Até a próxima segunda.

19 julho, 2010

Ao eleitor

2010 foi um ano que não começou. Digo isso no pretérito pois tenho convicção de que os poucos eventos que nos restam só terão consequências no futuro. Primeiro foi o carnaval que parou o Brasil; depois a Copa do Mundo; agora as eleições. E se o primeiro, amigo (opa, perdoe-me, resquícios das transmissões na África), exigiu felicidade e o segundo, torcida, este último exige atenção.
Agora, em agosto, começa a propaganda eleitoral gratuita, e, com ela, o desfile de sorrisos, abraços, promessas e discursos de homens e mulheres, os quais até novembro amarão o povo. Penso que o poder (político, principalmente) é uma doença, cujo primeiro sintoma é a alergia às massas.
O que impressiona, no entanto, é a atitude da população diante das urnas. O ato de votar tem, na concepção do povo, o mesmo valor do chute nas questões objetivas das provas escolares. Talvez por isso a educação e a política andem mal deste jeito... Ou o votar seria como apostar nos números da Mega Sena?
A situação, já enraizada, exige mediações para mudarmos. Tentarei algo, portanto. Esse parágrafo será exclusivo como nossas Constituições antigas: não falarei aos moradores das favelas dominadas pelo tráfico, pois, nesses territórios, predomina o coronelismo; não falarei aos que vivem abaixo da linha da pobreza, pois não sou candidato a nada, portanto não quero votos; não falarei nem aos homens, nossa era já passou; falarei às mulheres, as mais sensatas, majoritárias e formadoras de opinião. Peço, encarecidamente, que façam das eleições e do futuro governo uma metáfora com um namoro: ouçam o que eles têm pra dizer, mas não acreditem em tudo; pesquisem seus passados, procurem algo comprometedor; se o casamento acontecer, sejam ciumentas e controladoras, ou seja, perguntem, sem hesitação, onde andam pela noite e, principalmente, o que fazem com o dinheiro do pagamento da conta de luz; se eles forem desleais, faça como em 1992, e peçam a separação.
Ignore o clichê, atente-se apenas a ideia: o voto é o instrumento mais importante que o povo tem para mudar sua realidade. Portanto não o venda por cestas básicas, roupas, alguns trocados ou qualquer outra bobagem! Preservar e valorizar a cultura indígena é compreensível, mas se valer de métodos totalmente prejudiciais como o escambo do pau-brasil por um espelhinho não devia mais ser tolerado. Se, mesmo assim, quiser vender seu voto, troque-o por uma porcentagem do lucro de qualquer empreiteira responsável pela construção de estádios da Copa de 2014.


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12 julho, 2010

Férias

Independente da época, e com isso quero dizer estação do ano, em que ocorram, férias sempre são sinônimas de verão, ou seja, combinam com sorvete, calor, praia e trânsito até chegar nela. Durante esse período, teoricamente feliz, mas que normalmente acaba sendo conflituoso a todos, exceto aos donos de pedágio, o pai de meia idade sempre programa uma viagem de carro para a família sem perguntar à mãe de meia idade (que depois dirá "Viu só? Se tivesse falado comigo antes..."): encarrega-se apenas de arrumar as trouxas, chutar os trouxas dos filhos de cinco e treze anos, o qual vive com um fone no ouvido, para dentro do carro e convencer a mulher de que suas flores não morrerão se ficarem  sem água por trinta dias. "Essa é uma espécie desértica, querida, elas estão acostumadas!", explica. Partem. Assim começam as férias.
O pai de meia idade é um homem, e, como todo homem, tem seu orgulho, mas não tem um mapa. Para  um macho, nas palavras do pai de meia idade, "não há necessidade de mapas: eu conheço o caminho". Perdem-se. A mulher, mais desorientada que uma bússola que aponta para o oeste, sugere ao marido que peça informações para alguém. "Para quem? Você está vendo algo aqui além de muito asfalto e mato? Além do mais eu sei para onde vou! Olha ali a placa! Ube... raba? É, Uberaba! É pra lá que eu vou!". "Mas, bem, a gente não ia pra Santos?". "Nós vamos, eu só peguei um atalho". "Ah... E tem praia em Uberaba, bem?".
Nesse momento o caçula, que dormia até então, acorda:
- Falta muito, pai?
- Um pouco, filho...
- E agora, falta muito?
- Não, filho.
- Não falta muito não, né, pai?
- Não, filho, deita ai e dorme enquanto isso...
- Tô sem sono... Falta muito?
- Filho, até quanto você sabe contar?
- Mil, pai.
- Então conte mil vezes até mil!
- Tá, pai. Um, dois, três, quatro...
- Conte baixo, filho!
Depois de muitas voltas, muitas contagens, muitas informações e muitos dias, a família chega à praia e com ela o resto do Brasil, guiado por pais de meia idade impulsivos. Nosso pai, desesperado, foge com a mulher e os filhos para uma cidade do interior e com praia. Praia artificial, produto da construção de algumas hidrelétricas: Ilha Solteira.
A última linha seria um bom fim, mas não se pode terminar sem se considerar o seguinte: mães odeiam férias. Não só porque elas tem de cuidar dos filhos em período integral, mas porque, mesmo que a família viaje, continuam tendo de cozinhar para todos. Normalmente isso provoca uma revolução feminista, contida por almoços em restaurantes ou separações. E, saiba agora, meu bom pai de meia idade, se a separação não vier dessa forma, virá na volta para casa, quando sua mulher descobrir que suas flores não eram uma espécie desértica.

05 julho, 2010

Voltando à primitividade dos diálogos

Quê?
Sim.
Não.
Depende.
Sei...
Hum.
Consegui!
Porque todo diálogo tem como estrutura mínima a palavra só.

* O trecho ínfimo que você acabou de ler faz parte do meu próximo livro, "Diário de um Mendigo". Comente. Sua opinião é muito importante (tá, estou exagerando...) para mim.
Abraços!